Ações Afirmativas: O PROUNI na Educação Superior Brasileira
Vera Lucia Felicetti
Marília Costa Morosini
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS
Programa de Pós-Graduação em Educação
Avenida Mãe Apolinária Matias Batista nº360 Sobrado 56 CEP 91450-510 Jardim YPU Porto Alegre – Rio Grande do Sul – Brasil
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Resumen. Este artigo, de caráter informativo, apresenta análise textual de documentos oficiais acerca dos programas de ações afirmativas desenvolvidos no Brasil, com especial atenção ao Programa Universidade para Todos – PROUNI. Traz uma breve retomada histórica envolvendo a questão das ações afirmativas no contexto educacional brasileiro. Aborda a caracterização e estruturação desse Programa, trazendo dados estatísticos que mostram o montante de estudantes contemplados com a bolsa PROUNI nos últimos anos, de modo a ocuparem as vagas ociosas na Educação Superior, bem como corroborar para com a permanência do estudante nesse nível de ensino até concluí-lo.
Palabras Clave: PROUNI, Ações Afirmativas, Políticas Educacionais.
1. Introdução1
O Brasil sendo a “décima economia do mundo chega às vésperas do século XXI com indicadores educacionais que o colocam em situação desvantajosa dentro da própria América Latina e são o principal obstáculo, a largo prazo, para a redução da pobreza e da exclusão social.” (Brasil/MEC, 2000, p. 04).
Um conjunto de estudos e pesquisas realizados de 1995 até 2000 acerca da Educação Superior brasileira deu origem ao texto Enfrentar e vencer desafios: educação superior (Brasil/MEC, 2000). Tais estudos contribuíram para com a orientação do processo reformista na Educação Superior brasileira e ocorreram concomitantemente à discussão, elaboração e aprovação das leis que contemplam a educação nacional as quais são consolidadas após a aprovação da Constituição Federal Brasileira em 1988.
Logo após a aprovação da Constituição Federal, o deputado Octávio Elísio, apresentou na Câmara Federal o projeto de lei, identificado com o número 1.258 A/88 o qual procurava fixar as diretrizes e bases para a educação nacional (Elísio, 1988). Porém, essa iniciativa só tomou seu ápice no final da década de noventa e adentrando no século XXI. Foi aprovada, nesse período, uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN – Lei Nº 9.396, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996), e em janeiro de 2001 tem-se um novo Plano Nacional de Educação – PNE, Lei 10.172, de 09 de janeiro de 2001 (Brasil, 2001).
A partir dos estudos apresentados no Enfrentar e vencer desafios: educação superior, o governo luta contra o diagnóstico excludente da Educação Superior brasileira. Essa luta está vínculada a uma série de desafios, entre eles a expansão desse nível de ensino e atrelada a ela, a necessidade de uma flexibilização capaz de absorver as novas
1 Este artigo é um recorte da Tese de Doutorado entitulada Comprometimento do Estudante: um elo entre aprendizagem e inclusão social na qualidade da educação superior de Felicetti (2011, no prelo).
demandas educacionais. A universalização do Ensino Fundamental e a democratização do Ensino Médio intervêm nas novas demandas exigidas à Educação Superior. Desta forma, há a necessidade do aumento de vagas na Educação Superior. Entretanto, além de aumentar o número de vagas, há a necessidade de novas propostas no que refere-se ao acesso a esse nível de ensino, proporcionando o ingresso de estudantes menos favorecidos economicamente. Estratégias para a permanência desse novo perfil de estudante no meio acadêmico, também são necessárias.
O texto a seguir apresenta análise textual em documentos oficiais e referenciais teóricos, bem como uma análise estatística envolvendo movimentos de ações afirmativas na Educação Superior brasileira, e dados estatísticos referentes a bolsas/bolsistas PROUNI. Assim, este artigo apresenta uma revisão bibliográfica contemplada pela análise textual e uma revisão estatística contemplada pela estatística descritiva.
A seguir o texto apresenta as formas de ações afirmativas que contemplam o acesso na Educação Superior. Faz uma breve abordagem da situação atual do PROUNI, finalizando com as considerações finais e as referências.
2. Ingresso via ações afirmativas: PROUNI
O ingresso às instituições de Educação Superior no Brasil, no final do século XIX, eram apenas exames de formalidade, pois havia poucos candidatos habilitados, o que tornava o acesso fácil. Em 1911 o Decreto 8.659 introduziu oficialmente o vestibular na legislação brasileira (Brasil, 1911). Com o passar dos anos, e com o aumento da população, a condição candidato/vaga para o ingresso ao ensino universitário transformou o vestibular num funil entre o Ensino Médio e o Superior, no qual muitos tentavam entrar, mas somente alguns saíam.
Esse afunilamento tornou o acesso cada vez mais difícil, principalmente para grupos caracterizados como alunos egressos do ensino público, afrodescendentes, indígenas e outros, uma vez que a estes não são dadas as mesmas condições preparatórias disponibilizadas aos candidatos de nível social mais elevado, que têm acesso a cursinhos, escolas com melhor qualidade de ensino, apoio familiar e outros. (Carvalho, 2006).
Novas formas de acesso à Educação Superior vêm sendo adotadas, diminuindo o caráter seletivo do vestibular que buscava e muitas vezes ainda busca “selecionar os melhores.”. As reformulações de políticas públicas garantem as novas formas de acesso à Educação Superior bem como ampliam as vagas nesse nível de ensino. (Brasil, 1988; 1996; 2001).}
O Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, prova de nível nacional aplicada pelo Ministério da Educação, é uma nova forma de acesso ao Ensino Superior. A média obtida nesse exame permite ao candidato concorrer a uma vaga em instituições públicas que adotam de alguma forma o ENEM e também em instituições privadas via o Programa Universidade para Todos – PROUNI.
Dentre as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação para o Ensino Superior, destaca-se o promover a oferta desse nível de ensino, para 30 % da faixa etária de 18 a 24 anos e a inclusão de alunos por meio da criação de políticas que facilitem o acesso de grupos minoritários2 à Educação Superior.
Ao encontro dessas metas tem-se as ações afirmativas que são entendidas como “uma política pública voltada para reverter as tendências históricas que conferiram às minorias e às mulheres uma posição de desvantagem, principalmente nas áreas de educação e emprego.” (Cashmore, 2000, p. 31).
As Políticas de Ações Afirmativas no Brasil, são discutidas historicamente em algumas ações governamentais, entre elas a “Lei do Boi”, que reservava nas instituições de Ensino
2 São considerados grupos minoritários alunos egressos do ensino público, afrodescendentes, indígenas, portadores de deficiência física entre outros.
Médio Agrícola e nas Escolas Superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, 50% das vagas para candidatos agricultores ou seus filhos, proprietários ou não de terras, que residiam com suas famílias na zona rural, já para os agricultores proprietários ou não de terras, residentes em cidades ou vilas sem estabelecimentos de Ensino Médio era reservado 30% das vagas (Brasil, 1968).
Movimentos sociais começam a partir da década de 70 e se intensificaram na de 90 pressionando as universidades públicas para criação de um sistema de cotas que oportunizasse o acesso a esse nível de ensino de afrodescendentes. A concessão de cotas foi aprovada inicialmente no estado do Rio de Janeiro, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. (Alerg, 2001). Posteriormente, instituições federais aderiram ao sistema de cotas.
As políticas de Ações afirmativas apresentavam um avanço positivo no que diz respeito a oportunização do acesso de grupos minoritários no sistema de Educação superior brasileiro em 2009>3.
Nesta direção, 75,44% das universidades federais já adotavam alguma forma de acesso via políticas de ações afirmativas, oportunizando a inclusão social de grupos minoritários. Observa-se isso na fig. 1.
3O sistema de Educação Superior brasileiro de acordo com o cadastro das Instituições de Educação Superior do INEP (2009) estava constituído, até janeiro de 2009, por 2.509 instituições de Educação Superior. Das quais 251 constituiam-se públicas e 2.258 privadas. As públicas correspondiam a 93 Federais, 92 Estaduais e 66 Municipais. As federais eram constituídas de 36 Universidades Tecnológicas, 9 Fundações, 2 Institutos, uma Escola Nacional e 45 Universidades. A análise realizada neste estudo não envolve as Universidades Tecnológicas. Os pólos e/ou diversos campus existentes em muitas das universidades federais não são mencionados.
Fig. 1: Universidades federais brasileiras que usaram alguma forma de inclusão social em 2009. Fonte: Felicetti et al, 2009.
Nas instituições de Educação Superior privadas no Brasil as Políticas de Ações Afirmativas também foram adotadas, entre elas o Programa Universidade para Todos – PROUNI que em 2004 foi instituído como uma Medida Provisória e posteriormente convertida na Lei no 11.096, de 13 de janeiro de 2005 (Brasil, 2004, 2005).
O PROUNI é destinado à concessão de bolsas de estudo integrais e bolsas de estudo parciais para estudantes de cursos de graduação em instituições privadas de Educação Superior, com ou sem fins lucrativos.
São contemplados com as bolsas de estudo brasileiros que não têm curso superior. As bolsas correspondem às semestralidades ou anuidades. A concessão de bolsas integrais são para brasileiros com renda familiar per capita mensal de até 1 (um) salário-mínimo e 1/2 (meio). As parciais são concedidas a brasileiros cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até 3 (três) salários-mínimos.
É contemplado com a bolsa o aluno que tenha cursado integralmente o Ensino Médio em escola pública ou em instituições privadas na condição de bolsista integral; é portador de deficiência, nos termos da lei; é professor da rede pública de ensino, especificamente dada para os cursos de pedagogia, licenciatura e normal superior, destinados à formação do magistério da Educação Básica, independentemente da renda a que se referem acima.
Para que a bolsa PROUNI seja mantida o bolsista deverá cumprir requisitos de desempenho acadêmico. Deverá apresentar aprovação acadêmica em, no mínimo, 75% das disciplinas cursadas em cada período letivo. Quando o aproveitamento do aluno for insuficiente é analisada a justificativa do mesmo pelo coordenador do Programa Universidade para Todos, pelos professores responsáveis pela disciplina da reprovação, autorizando, por uma única vez, a continuidade da concessão. Os bolsistas integrais não pagam pela disciplina a ser cursada pela segunda vez, já os bolsistas parciais pagam o percentual proporcional não coberto pela bolsa.
A suspensão do usufruto da bolsa pelo bolsista PROUNI poderá ser solicitada, entretanto o período suspenso é considerado de efetiva utilização dentro do prazo estabelecido para a conclusão. A suspensão não pode ultrapassar três semestres, neste caso encerra-se a bolsa. Este poderá também ocorrer quando não for efetivada a matrícula; por solicitação escrita do bolsista; pelo cancelamento da matrícula; pela evasão; pelo insuficiente rendimento; pelo esgotamento do prazo máximo de conclusão; pela mudança de condição socioeconômica; por falsidade de informação ou inidoneidade de documentos apresentados pelo bolsista e pelo término do curso.
A bolsa PROUNI é concedida ao estudante pré-selecionado pelos resultados do ENEM e pelo perfil socioeconômico.
As instituições de Educação Superior ao participarem do Programa aderem ao cumprimento de obrigações como por exemplo a proporção de bolsas de estudo oferecidas por curso, turno e unidade, e ainda um percentual de bolsas destinadas à portadores de deficiência ou autodeclarados indígenas ou negros.
O PROUNI ofereceu de 2005 até 2011 um total de 776.449 bolsas integrais e 606.867 bolsas parciais, perfazendo um total de 1.383.316 bolsas ofertadas, como pode ser observado nos dados apresentados na fig. 2
Fig. 2: Bolsas integrais e parciais ofertadas
Fonte: Sisprouni (2011) Bolsistas ProUni 2005 – 2º/2011.
Na fig. 3 observa-se o percentual de bolsistas por raça. Destes 47,6% correspondem a brancos, pardos 35,3%, negros têm 12,5%, amarelos 1,85%, indígenas 0,2% e 2,51% não informaram. Estes dados vão ao encontro dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2011) referentes a 2009 que apontam 48,2% da população formada por brancos, 44,2% por pardos, 6,9% pretos e 0,7% amarelos ou indígenas.
Fig. 3: Bolsistas por raça
Fonte: Sisprouni (2011) Bolsistas ProUni 2005 – 2º/2011.
Na fig. 4 pode-se observar o percentual de bolsistas por modalidade de ensino. A modalidade ensino à distancia – EAD apresentou 12%, os demais encontram-se na modalidade presencial.
Fig. 4: Bolsistas por modalidade de ensino Fonte: Sisprouni (2011) Bolsistas ProUni 2005 – 2º/2011
Fig. 5: Bolsistas por Turno - Cursos Presenciais.
Fonte: Sisprouni (2011) Bolsistas ProUni 2005 – 2º/2011
Quanto ao turno de estudo dos bolsistas, pode- se observar na fig. 5 que a maioria frequenta o noturno com um percentual de 74%, no turno matutino tem-se 19%, em turno integral 4% e no vespertino apenas 3%. Justifica-se a maioria dos estudantes estarem cursando cursos noturnos, uma vez que mesmo sendo bolsistas PROUNI, os mesmos necessitam trabalharem para poderem custerar suas despesas com alimentação, transporte e demais gastos.
Retormando ao total de bolsas PROUNI ofertadas de 2005 até o segundo semestre de 2011 tem-se o total de 1.377.316 bolsas. Entretanto, o número de bolsistas PROUNI nesse mesmo período correspondeu a um total de 919.551 alunos. (Sisprouni, 2011).
Isso denota que o PROUNI embora esteja corroborando para com a ocupação das vagas ofertadas e ociosas nas instituições de Ensino Superior privadas, bem como para com a diminuição da evasão nesse nível de ensino, ainda existem vagas a serem preenchidas.
Conjectura-se, então, a necessidade da continuidade de programas que contemplem as ações afirmativas, tais como o PROUNI, bem como a continuidade de investimentos programas educacionais voltados para os níveis de ensino anteriores à Educação Superior de modo a melhor preparar os estudantes para a investidura acadêmica.
3. Conclusões
Diante do texto apresentado, observa-se que as políticas educacionais ao longo dos anos sofreram várias mudanças, logo mudanças no contexto educacional brasileiro. Entre elas, o texto evidencia a questão da inclusão, na Educação Superior, de estudantes oriundos de classes sociais mais empobrecidas, que no passado pouco acesso tinham a esse nível de ensino. Essa inclusão se dá, em grande parte, às políticas de ações afirmativas que envolvem programas específicos para a inclusão de grupos minoritários na Educação Superior. Entre essas políticas tem-se a distribuição de cotas nas instituições públicas de nível superior e o PROUNI, o qual foi objeto de atenção neste artigo.
Os mecanismos de política com respeito à Educação Superior estão sendo elaborados com o propósito de compensar os efeitos da desigualdade de oportunidades do passado, objetivando atingir uma população estudantil que reflete a composição da sociedade como um todo, ou seja, oportunizar o acesso e a competitividade a uma vaga no ensino universitário com igualdade a todas as classes sociais que compõe a nação, diminuindo a distância entre as mesmas. Além da oportunização do acesso, a questão da permanênica na Educação Superior é sustentada pela concessão da bolsa PROUNI, pois a mesma ao custear as mensalidades favorece ao estudante a continuidade aos estudos, evitando assim a evasão do acadêmico.
Diante da análise textual nos documentos oficiais acerca da caracterização do PROUNI, percebe-se a estruturação desse Programa voltada para responder às exigências do novo perfil acadêmico, bem como para com a diminuição da evasão no Ensino Superior. Assim, o PROUNI, além de intervir para com o preenchimento das vagas ociosas na Educação Superior Privada, proporciona aos grupos minoritários o acesso e a permanencia nesse nível de ensino. Em extensão oportunizando ao novo perfil estudantil, uma nova perspectiva de vida, além de possibilidades de mobilidade social, no interior de uma classe social e entre as classes.
Os dados que mostram o número de estudantes contemplados pelo PROUNI apresentou-se relevante, embora nem todas as bolsas ofertadas foram ocupadas.
Os esforços para a melhoria da qualidade da educação não podem se limitar apenas a um nível de ensino, mas sim contemplar todos os níveis educacionais, e embora isso está sendo feito, ainda tem-se muito que mudar e
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