Atencao integral a alunos do programa pec-g na PUCRS

Linha temática: Práticas para la reducción del abandono:acceso, integración, planificación

Prof.ª Ms Doris Helena Della Valentina1

Prof. Dr. Edgar Chagas Diefenthaeler2

Prof. Dr. Francisco Arseli Kern3

Prof.ª Ms Jacqueline Poersch Moreira4

Prof.ª Ms Jurema Kalua Vianna Potrich5

Prof.ª Ms Gilze de Moraes Rodrigues Arbo6

Prof.ª Dra. Maria Lucia Andreoli de Moraes7

Resumo: O presente trabalho apresenta as práticas de acompanhamento a alunos do Programa PEC-G provenientes de outros países, principalmente de países africanos que realizam a sua formação profissional na PUCRS. O trabalho que o CAP desenvolve com estes alunos está voltado ao acompanhamento integral em atenção às necessidades e demandas que estes alunos apresentam durante a sua estadia vinculada a Universidade. As práticas envolvem atendimentos individualizados, visitas domiciliares, atendimentos em grupo, estudos sociais, mediações para resolução de problemas e encaminhamentos.

Palavras chaves: Formação Profissional. Pobreza. Vínculos. Universidade. Projetos de vida

1Psicóloga - Professora da FAPSI - PUCRS

2Psiquiatra - Professor da FAMED - PUCRS

3Assistente Social – Professor da FSS

4Psicóloga - Pró-Reitora de Assuntos Comunitários – FAPSI - PUCRS

5Especialista em Educação Especial – Professora da FACED - PUCRS

6Pedagoga - Especialista em Psicopedagogia – Professora da FACED - PUCRS

7Psicóloga - Professora da FAPSI - PUCRS

A partir de um acordo bi-lateral assinado entre Brasil e alguns países da África, temos recebido estudantes universitário do Continente Africano. Os mesmos permanecem no Brasil durante sua formação profissional e para sua manutenção lhes é concedida uma bolsa por seus países de origem, um subsídio da chamada Bolsa Emergencial do Ministério de Relações Exteriores do Brasil, sendo-lhes também concedida a isenção do pagamento das anuidades nas universidades que frequentam.

A PUCRS atualmente recebe semestralmente alunos nessa condição. As bolsas dos governos dos países de origem, quando são pagas, chegam com atraso de até oito meses colocando estes alunos muitas vezes em situações de vulnerabilidade e risco social.

Assim, além das dificuldades inerentes à separação de seu país e de sua família e da inserção em um país com cultura, educação, organização social e economia diferente dos seus, os alunos vivenciam a incerteza quanto à sua sobrevivência cotidiana, o que certamente atinge seus direitos de cidadania e afeta os objetivos de formação profissional proposto.

A PUCRS através da Pró- Reitoria de Assuntos Comunitários e do Centro de Atenção Psicossocial – CAP– vem realizando o acompanhamento desses alunos, buscando garantir que os mesmos consigam uma inserção qualificada e construtiva na Universidade e na comunidade em que se inserem. No entanto, com o não pagamento das bolsas pelos países de origem como muitas vezes ocorre, e, com a redução dos subsídios do Ministério de Relações Exteriores Brasileiro, o CAP tem deparado com situações que extrapolam suas possibilidades de acompanhamento e de auxílio a esses alunos.

A realidade econômico-social dos alunos do Programa PEC-G, principalmente os que vem de países africanos é acompanhada através de atendimentos individualizados, visitas domiciliares, observações livres, análises documentais, estratégias estas que compõem elementos para elaboração de estudos sociais semestrais.

Algumas situações ainda chamam a atenção quanto a realidades de calamidade, de muita miséria, de vulnerabilidade social por parte de quase todos os alunos, inclusive com situações de risco.

Pelo que é possível verificar, grande parte dos alunos vivem em moradias cujo espaço revela pobreza, numa situação que confronta a dignidade humana. Quando chegam de seus países para ingressarem em seus cursos, alguns para sobreviverem recorrem imediatamente aos recursos da Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e ao Centro de Atenção Psicossocial. Quando recebem alguma ajuda de seus país, a mesma é irrisória frente às necessidades que passam.

Sem dúvida, é possível afirmar que muitos destes alunos apresentam um forte sentimento de abandono dos governos de seus países de origem. Ao mesmo tempo em que vivenciam o distanciamento de seus países, de sua cultura, do seu mundo de referência e de seus familiares, passando necessidades de todas as naturezas.

Nesse sentido, uma aluna referiu que na África também enfrentam problemas, mas aqui distante de todos, da família principalmente, cada problema cria e se manifesta numa dimensão muito maior.

As vezes podem contar com os colegas conterrâneos, ainda que com muita dificuldade, porque praticamente todos encontram-se na mesma situação. É inegável a solidariedade que existe entre os mesmos e um sentimento de comprometimento de uns para com os outros quando se deparam com colegas que não tem mais a quem recorrer.

São muitas vezes situações em que colegas acabam pagando o aluguel ou a alimentação de outros que não possuem e acolhendo colegas que não possuem moradia ou como alimentar-se. A título de ilustração, cita-se o relato de um aluno que refere: “Hoje não fizemos comida porque não temos dinheiro. Eu poderia ter ido almoçar na PUCRS porque recebi um vale alimentação da PRAC. Mas como eu posso ir almoçar se meu colega que sempre me ajuda vai ficar em casa sem poder me acompanhar? Como posso matar a minha fome sem matar a fome dele?Quando estou necessitado, ele sempre me ajuda. Não consigo fazer isto”.

Observam-se frequentes mudanças de endereço que ocorrem, normalmente, porque estavam passando necessidades e não tinham mais como arcar com as despesas de aluguel e assim são acolhidos por colegas. Outro fator de dificuldade é o fato de que tanto em sua chegada em Porto Alegre, quanto nas trocas de moradia, necessitam de fiador para o aluguel dos imóveis. Como não possuem tal recurso, todos os aluguéis são aprovados mediante caução, um valor que também não possuem. Além disso, pagam altos valores por quartos ou casas mal cuidadas e mal localizadas.

No processo de acompanhamento, é possível conhecer peças alugadas (cozinha e sala no mesmo espaço, banheiro e um quarto agregado) pelo valor de R$ 350,00 e somando a isto, a má localização e preservação. Fica claro que os proprietários se utilizam da situação dos mesmos, super faturam os valores, sabendo que os alunos necessariamente acabam se submetendo a esta condição imposta.

Verifica-se também que as peças para moradia são alugadas, mas os alunos não conseguem construir um sentimento de pertencimento a esta casa. E por esta razão muitos afirmam que passam 12 horas dentro da PUCRS porque não têm onde ficar porque suas casas não oferecem condições e recursos mínimos para lá estudarem.

Ao acompanhar estes alunos, é possível conhecer uma realidade de luta pelo conhecimento e o esforço para que sua formação profissional ocorra dentro do tempo planejado, mesmo que para isto tenham garantido apenas a alimentação, um lugar para dormir e pouco vestuário já que para eles, o sacrifício vale a pena. Muitos não veem a sua família há mais de quatro anos, apenas fazem contato via telefone ou e- mail através de uma concessão da PUCRS.

Alguns alunos apresentam situações de saúde que requerem atenção, cuidados e acompanhamentos, como por exemplo: diagnóstico de hepatite; queixas de muitas dores no peito e com plaquetas baixas; emagrecimentos muitos rápidos; dor no braço esquerdo e dores no peito com sentimento de peso no coração e passa respirar com dificuldade; dor de cabeça e febre; problemas de visão e síndrome de ovário policístico.

São situações que necessitam acompanhamento médico ou a ingestão regular de medicação, a que não possuem acesso nem sistema público e nem condições de pagamento na rede privada. Tal situação fica agravada pelas dificuldades dos mesmos terem uma alimentação regular e adequada, que acabam sendo fornecida pela PUCRS porque eles não tem como arcar financeiramente, assim como as medicações ocasionalmente são doadas por professores da Universidade sensibilizados com as dificuldades enfrentadas. Muitas vezes são auxiliados a buscar junto aos postos de saúde ou junto a Universidade, ou ainda, por professores que acabam provendo estas necessidades para que a demora não cause ainda mais dificuldades a serem enfrentadas.

Há também a situação em que necessitam de acompanhamento jurídico, e recebem auxilio da Universidade para que consigamacionar os recursos compatíveis para sua defesa ou atendimento sócio- jurídico;

Ainda que inseridos na lógica contraditória da história e do desenvolvimento da sociedade capitalista, os Direitos Humanos se constituem hoje num horizonte ético, jurídico e político para a humanidade. Numa perspectiva de universalidade, indivisibilidade e interdependência, possibilitam o estabelecimento de padrão mínimo civilizatório. Sua organização e admissibilidade fez com que homens e mulheres fossem considerados como sujeitos de direitos no plano internacional, superando a mera perspectiva de cidadãos vinculados à um Estado nacional, situando-os num processo de construção de uma cidadania internacional. Especialmente num momento como o atual, de avançado processo tecnológico, informacional, de globalização da economia e financeirização do capital, está em cheque também a construção de um processo de solidariedade internacional, que transcende a dimensão de mero compromisso entre os Estados pactuantes, e que objetiva a salvaguarda dos direitos do ser humano.

Assim, como no caso aqui tratado, cidadãos, além de possuírem uma cidadania local, específica do seu país de origem, devem ser detentores de uma cidadania global. As organizações internacionais e regionais de direitos humanos e as legislações daí emanadas são materializações dessa perspectiva.

A Constituição Brasileira referenda esse princípio, ao referir, em seu artigo 3º como um dos objetivos fundamentais da República Brasileira a constituição de “uma sociedade livre, justa e solidária”. Menciona também, no artigo 4º que as relações internacionais deverão reger-se, entre outros aspectos, pela “prevalência dos direitos humanos”. Ainda, o artigo 5º em seu caput, ao mencionar a igualdade perante a lei e a não distinção de qualquer natureza, garante “aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direitos à vida, a liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade”. Os parágrafo 2º e 3º desse mesmo artigo reafirmam a vinculação da legislação brasileira com os tratados internacionais de defesa de direitos.

Nesse sentido estão os compromissos assumidos também a partir da “Declaração sobre os direitos humanos dos indivíduos que não são nacionais no país que vivem” adotada pela Assembléia Geral da Nações Unidas em 1985 que refere, em seus artigo 4º e 8º que os estrangeiros que residem legalmente em um Estado possuem, entre outros, o “direito à proteção sanitária, atenção médica, seguridade social, serviços sociais, educação, descanso e férias, com a condição de que reúnam os requisitos de participação previstos nas regulamentações pertinentes e de que não seja imposta uma carga excessiva sobre os recursos do Estado.”

Transcendem-se, assim, os limites ou dimensões geográficas e territoriais, o que significa dizer que toda condição humana requer que os direitos sejam garantidos independente de onde o sujeito se situa. É nessa perspectiva que deve ser visualizada a situação vivenciada pelos alunos africanos residentes no Brasil. Ou seja, trata-se de um compromisso ético, político e legal que não está sendo efetivado, tanto por seus países de origem como pelo Brasil, que os recepcionou. Trata-se de pensar medidas que efetivem direitos estabelecidos e não uma mera concessão de benesses a estudantes pobres africanos.

Pode-se constatar que para os alunos acompanhados pelo CAP e pela Coordenadoria Discente da Pro reitoria de Assuntos Comunitários , as necessidades são enfrentadas com determinação, pela esperança e certeza de um dia poderem retornar aos seus países como graduados e vencedores. No entanto, às instituições cabe a responsabilidade, dentro das possibilidades, de criar estratégias de atenção primária a esses alunos para que seus direitos básicos possam ser garantidos. Como já demonstrado acima, essa política de inclusão está servindo para a exclusão, já que é sabido de antemão que a maioria destes alunos sobrevivem da boa vontade institucional, como por exemplo, ao receber cestas básicas, vestir-se com roupas doadas, morar de favor na casa dos outros. Dessa forma faz-se necessária uma reflexão sobre a legitimidade de um Programa de Intercâmbio Internacional, em que por um lado, o governo do País de origem promete uma bolsa de estudos para seus patriotas em formação para buscarem a formação em outros Países, e por outro lado, observa-se que o País que os acolhe por não ter formalizado em acordo prévio, não oferece as mínimas condições de sobrevivência; a formalização de uma política para a acolhida desses cidadãos de outros países, para que não ocorra a construção de processos de fragilização social e a ausência de direitos básicos como a alimentação, moradia digna, vestuário, entre outros; a definição das responsabilidades das diferentes instituições envolvidas nesse processo. Uma vez que a Universidade já oferece toda a formação de graduação a estes alunos, devem ser estipulados outros comprometimentos políticos- institucionais através do Estado em relação às necessidades básicas dos alunos.

É importante destacar que há uma diferença significativamente grande entre os alunos que vinculam-se as instituições públicas e a rede particular de ensino uma vez quê nas Universidades federais os alunos além das bolsas de estudo contam com moradia nas casas de estudante patrocinadas pelas instituições governamentais, assim como com o direito a alimentação nos refeitórios destas instituições com alimentos a baixíssimo custo (R$ 1,50), mais o subsidio e as diferentes bolsas para com as quais são contemplados. Isso demonstra as diferenças com as quais estes alunos são tratados.

A PUCRS se dedica, através de um processo diferenciado, o qual se constrói a cada situação para ajudar em sua adaptação e integração para que realizem seus sonhos, assim como examina as situações uma a uma detectando as necessidades e acompanhando as suas interferências nos processos de aprendizagem e tomando medidas compatíveis para demonstrar como poderiam buscar formas de superar as necessidades e miséria na qual se inserem. Quando assimilam estas dicas ou estratégias, torna-se gritante o seu crescimento e mudanças decorrentes destes, quando não conseguem, facilmente nota-se a sua desmotivação, desanimo e desinvestimento nos estudos e a conseqüência que se observa são as reprovações, o emagrecimento e ossinais de depressão que acompanham estas situações.

Apesar de tudo isso a PUCRS tornou-se referencia no acompanhamento destes estudantes e em sua organização para com sua permanência e finalização dos processos acadêmicos, tanto que foi convidada para participar dos processos seletivos dos novos alunos em 2012. Estamos encaminhando as sugestões de medidas de equiparação de condições entre alunos das instituições publicas e privadas para os próximos grupos além da exigência de que os familiares e os governantes de seus países depositem um valor antecipado para que se organizem ao longo do seu primeiro ano de estudos.

Referências

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FERREIRA Filho, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 6. Ed. São Paulo: Saraiva 2004.

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GORCZEVSKI, Clovis. Direitos Humanos: dos primórdios da humanidade ao Brasil de hoje. Porto Alegre, Imprensa Livre,2005.

PUCRS. Missão Institucional. Porto Alegre, 2012.